Carlos como todas as noites, reclamou com a esposa.
-
Este jantar está uma droga, carne de panela de novo Marilza?
- Foi
o que deu para comprar com a mixaria que você deixou pela manhã.
-
Dê seus pulos mulher, use a criatividade.
Marilza
terminou de servir o jantar contrariada, mas preferiu calar-se a ter que
discutir na frente dos filhos.
-
Marilza, Marilza, você não é como antigamente, virou uma relaxada que não cuida
do marido, só pensa nos filhos e em si própria.
-Carlos,
não fale assim, faço o que posso para cuidar de você da casa e de nossos três
filhos, mas não consigo fazer milagres com o dinheiro que você me dá para o
supermercado, e quanto a roupa, passei o dia todo com nosso pequeno ardendo em
febre.
Enquanto
explicava-se, o filho doente choramingava em seu colo.
-Não agüento mais você, nem essa casa.
Saiu
batendo a porta. Pensou que vida maravilhosa teria longe dali, com paz,
silêncio e sossego.
Já
estava decidido. Esperou sua esposa sair para levar as crianças na escola,
entrou apressado, tirou a mala empoeirada de cima do guarda-roupa e recolheu
todos seus objetos pessoais, roupas, sapatos, escova de dente, documentos e
todo mais que cabia na mala. Escreveu um bilhete desejando-lhe boa sorte.
Saiu
feliz da vida, com o coração batendo forte de alegria, mal podia acreditar na
sua audácia e coragem, como se ainda fosse um adolescente.
No mesmo dia, alugou
um apartamento mobiliado próximo ao trabalho, não era bem o que imaginava, mas
não tinha muitas opções.
Foi
até o mural no hall do prédio e pegou alguns telefones de empregada doméstica e
outros de restaurantes que entregavam comida pronta. Ligou para a primeira,
desligando rápido quando informou-lhe o preço.
Entrou
em pânico e voltou para seu apartamento praguejando contra todas empregadas do
mundo. Já estava noite, seu estomago roncava, resolveu pedir uma comida tailandesa,
"cozinha especializada, entrega rápida", dizia o panfleto.
-Ótimo,
pensou, é o que preciso, amanhã será um novo dia.
Duas
horas depois, após inúmeros telefonemas reclamando a demora, chega sua comida,
fria e insossa. Engoliu depressa, como se aquele fosse o melhor prato já
experimentado.
Deitou-se.
Precisava relaxar.
Sozinho
e com frio, havia esquecido que uma casa mobiliada não tem roupa de cama, muito
menos um edredom quentinho, nem uma esposa carinhosa e filhos sorridentes e felizes pulando em cima dele.
Sentiu
um aperto no peito, uma tristeza sem fim e saudades, muitas saudades.
-
Amanhã, volto para casa. Marilza é um anjo, sempre foi, ela há de me perdoar,
serei o melhor marido e pai do mundo.
No
dia seguinte, saiu atrasado, pois esquecera que não tinha mais sua esposa para
lhe acordar, muito menos para preparar seu café da manhã.
-Atrasado,
cansado e com fome. - pensou - o que poderia ser pior?
Depois
de um dia exaustivo de trabalho, foi direto para a casa onde morava, seguiu
confiante pelo trafego, cantarolando, imaginando como sua esposa ficaria feliz
em reencontrá-lo. Comprou-lhe até flores.
Ao
abrir o portão, notou que seu cão não veio recebê-lo, “provavelmente, está
dormindo”, pensou, abriu a porta devagar, queria mostrar-se calmo, sereno e
arrependido, por um momento um frio na espinha lhe causou náuseas ao pensar que
poderia ser tarde, mas logo acalmo-se, ao lembrar como Marilza o amava.
Largou
a mala, imaginou sua bela esposa correndo e abrindo os braços para ele,
chorando, dizendo como sentiu sua falta. Mas nada aconteceu.
Começou
sua busca pelos comados, na esperança de encontrar alguém, ouvir algum barulho,
qualquer coisa. Silêncio.
O
mesmo silêncio que Carlos tanto almejou e sonhou. Seguiu em direção ao quarto
do casal, a cama estava do mesmo jeito que deixara naquela manhã que foi
embora, abriu o guarda-roupa, com o coração apertado. Estava vazio.
Correu
para o balcão da cozinha na esperança de um bilhete, mas não o
encontrou.Percorreu por cada canto aflito a procura de um sinal, ao menos uma
carta de despedida. Não achou.
Sentou
no chão da sala, levou as mãos à cabeça, olhou fixo para a fotografia
emoldurada pendurado na parede da sala e chorou, como vira sua esposa chorar tantas
outras vezes.