A tempestade
Continuei a exploração . Minhas
pernas doíam.
Cheguei a um lugar arborizado, numa
pequena passagem parecendo uma caverna toda envolta por plantas e trepadeiras.
O começo era de mata fechava abrindo numa clareira. Uma gruta. De água
cristalina, não muito grande, mas o suficiente para formar uma pequena piscina
natural. Tirei minhas sapatilhas, caminhei à beira mergulhando os pés na água
gélida. Fiquei um bom tempo observando, sentindo a paz, pensando que aquele,
seria um bom lugar para morrer.
Algumas lágrimas escorreram no
meu rosto. Como sempre tratei de limpa-las. Em vão.
Senti uma mão pesada em meu
ombro. Virei-me num movimento rápido, com o coração acelerado.
- Desculpe, não quis assustá-la,
você está bem? – Marcus me olhava com uma expressão preocupada.
- Sim, estava tudo bem, até a
hora que você resolveu quase me matar do coração!
- Estava só querendo ajudar.
- Ajudar? Por um acaso você é
Deus?
- Não
- Então não pode me ajudar.
- Não sou Deus, mas posso ser um
bom amigo se quiser.
Sua expressão era calma. Falava
baixo. Firme.
- Sabes que não é sua amizade que
desejo.
Minhas pernas tremiam.
Baixei a cabeça encostando-a em
seu peito, com os braços largados em sinal de derrota. Envolveu-me num abraço,
recolhendo minhas mãos e passando-as por sua cintura. O fez com destreza. Mãos
grandes e dedos longos brincavam com a desordem dos meus cabelos. Senti leve.
Sem dor. Nem desespero.
Seus movimentos eram tão familiar,
íntimo e ao mesmo tempo, reservado, sutil. Sentia o calor da sua respiração no
topo da minha cabeça. Meu corpo queimava. Precisava sair dali.
Algumas gotas geladas começaram a
pingar em minha pele. O barulho abafado de um trovão. Era o que precisava para
fugir.
- Acho que a previsão do tempo
acertou em cheio – falei, saindo de fininho daquele casulo que havíamos
construído.
- Parece que sim – respondeu-me
olhando nos meus olhos.
- Bom, acho que é isso... melhor
eu correr antes que o temporal chegue.
Continuava a me olhar intensamente
sem dizer nada. Precisei ser rápida. Virei-me de costas e sai em direção à
trilha, sem olhar para trás. Marcus me alcançou sem muito esforço, com algumas
passadas largas. Quando finalmente saímos de lá, o céu estava azul escuro com nuvens
pesadas prestes a desabar.
Andei apressada a caminho de
casa, quando repentinamente Marcus pegou-me no braço puxando-me em sua direção.
E lá estava eu novamente, encrencada naquele abraço.
- Onde a senhorita pensa que vai?
- Vou pra casa, pra onde mais eu
iria nesse temporal?
- E você acha mesmo que vai
chegar antes da chuva indo a pé?
- Se vou chegar não sei, mas é o
que tenho para o momento. - respondi num tom irônico.
- Pois eu tenho algo mais rápido.
Venha.
Há nossa frente, um cavalo preto
com patas brancas, imenso, com as rédeas amarrados numa árvore. Soltei
rapidamente da sua mão e dei dois passos para trás.
- Ei, você não está pensando que
eu vou subir nessa coisa?
- Claro que estou. Qual o
problema?
- Eu não sei andar a cavalo,
nunca sequer cheguei perto de um e pretendo continuar assim por um bom tempo.
Soltou uma gargalhada, olhou-me
por um breve momento, quando um raio que pelo barulho ensurdecedor caíra muito
próximo de nós.
- Acho que você não tem muita escolha
Alice. O patrão não vai gostar de saber que a deixei ser atingida por um
desses.
- Droga. Esbravejei - Como eu
subo nessa coisa?
Ele então pulou para cima do
animal num único movimento, estendeu-me a mão e passou as instruções. Enrosquei
um dos pés onde me indicou e num pulo desajeitado lá estava eu atrás dele.
- Parece que puxar as pessoas ao
seu encontro é a sua marca registrada? – Provoquei.
- Puxar “uma” pessoa parece que
sim. – olhou-me por trás dos ombros naquele seu sorrisinho característico.
Num comando ríspido o cavalo saiu
em disparada pela estrada de terra.
A chuva aumentava, o vento gelado
estava sendo impiedoso, meu corpo tremia. Uma mistura de frio, emoção e medo. Tentava
me concentrar no ritmo das cavalgadas, mas o máximo que conseguia era sentir
meu corpo colado ao corpo dele e no cheiro que vinha da sua jaqueta de couro,
que estava mais acentuado agora molhada da chuva. Um cheiro amadeirado
misturado a terra molhada.
Chegamos.
O libertei do meu abraço, para
que ele descesse primeiro, eu em seguida, amparada com suas mãos na minha
cintura. Conduziu o animal para dentro da cocheira, tirou a cela pendurando-a num
gancho. Fiquei ali parada, acompanhando seus movimentos, um pouco trêmula por
causa do frio e da experiência que acabara de ter.
- Parece estar com frio, tome
vista isso. - disse-me tirando sua jaqueta.
A princípio não quis aceitar, mas
quando ele baixou os olhos em direção a meus seios, dei-me conta que usava uma
camisa branca. Agora transparente depois de um banho de chuva. Entrei em
pânico, me amaldiçoando por não ter percebido aquela indecência. Baixei a
cabeça. Envergonhada.
Marcus foi um cavalheiro diante
do meu constrangimento, não ousou me olhar pela segunda vez, apenas posicionou
sua jaqueta para que eu a vestisse. Conduziu-me a um banco de madeira e não
tocou no assunto. Ficamos ali por mais um tempo, conversando amenidades,
esperando a chuva cessar. A eletricidade era evidente entre nós, por isso
procurei manter uma distância segura enquanto a conversa fluía.
- Marcus, acho que preciso ir, seu
patrão deve estar preocupado comigo -
disse-lhe num tom de desânimo.
- Você não está com cara de quem
quer entrar lá.
- Acho que tem razão, mas não
tenho escolha.
-Venha, tenho um lugar melhor
para se aquecer.
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