domingo, 16 de fevereiro de 2014

A tempestade


                                                                      A tempestade

 

Continuei a exploração . Minhas pernas doíam.

Cheguei a um lugar arborizado, numa pequena passagem parecendo uma caverna toda envolta por plantas e trepadeiras. O começo era de mata fechava abrindo numa clareira. Uma gruta. De água cristalina, não muito grande, mas o suficiente para formar uma pequena piscina natural. Tirei minhas sapatilhas, caminhei à beira mergulhando os pés na água gélida. Fiquei um bom tempo observando, sentindo a paz, pensando que aquele, seria um bom lugar para morrer.

Algumas lágrimas escorreram no meu rosto. Como sempre tratei de limpa-las. Em vão.

Senti uma mão pesada em meu ombro. Virei-me num movimento rápido, com o coração acelerado.

- Desculpe, não quis assustá-la, você está bem? – Marcus me olhava com uma expressão preocupada.

- Sim, estava tudo bem, até a hora que você resolveu quase me matar do coração!

- Estava só querendo ajudar.

- Ajudar? Por um acaso você é Deus?

- Não

- Então não pode me ajudar.

- Não sou Deus, mas posso ser um bom amigo se quiser.

Sua expressão era calma. Falava baixo. Firme.

- Sabes que não é sua amizade que desejo.

Minhas pernas tremiam.

Baixei a cabeça encostando-a em seu peito, com os braços largados em sinal de derrota. Envolveu-me num abraço, recolhendo minhas mãos e passando-as por sua cintura. O fez com destreza. Mãos grandes e dedos longos brincavam com a desordem dos meus cabelos. Senti leve. Sem dor. Nem desespero.

Seus movimentos eram tão familiar, íntimo e ao mesmo tempo, reservado, sutil. Sentia o calor da sua respiração no topo da minha cabeça. Meu corpo queimava. Precisava sair dali.
Algumas gotas geladas começaram a pingar em minha pele. O barulho abafado de um trovão. Era o que precisava para fugir.
- Acho que a previsão do tempo acertou em cheio – falei, saindo de fininho daquele casulo que havíamos construído.
- Parece que sim – respondeu-me olhando nos meus olhos.
- Bom, acho que é isso... melhor eu correr antes que o temporal chegue.
 
Continuava a me olhar intensamente sem dizer nada. Precisei ser rápida. Virei-me de costas e sai em direção à trilha, sem olhar para trás. Marcus me alcançou sem muito esforço, com algumas passadas largas. Quando finalmente saímos de lá, o céu estava azul escuro com nuvens pesadas prestes a desabar.
Andei apressada a caminho de casa, quando repentinamente Marcus pegou-me no braço puxando-me em sua direção. E lá estava eu novamente, encrencada naquele abraço.
- Onde a senhorita pensa que vai?
- Vou pra casa, pra onde mais eu iria nesse temporal?
- E você acha mesmo que vai chegar antes da chuva indo a pé?
- Se vou chegar não sei, mas é o que tenho para o momento. - respondi num tom irônico.
- Pois eu tenho algo mais rápido. Venha.
Há nossa frente, um cavalo preto com patas brancas, imenso, com as rédeas amarrados numa árvore. Soltei rapidamente da sua mão e dei dois passos para trás.
- Ei, você não está pensando que eu vou subir nessa coisa?
- Claro que estou. Qual o problema?
- Eu não sei andar a cavalo, nunca sequer cheguei perto de um e pretendo continuar assim por um bom tempo.
Soltou uma gargalhada, olhou-me por um breve momento, quando um raio que pelo barulho ensurdecedor caíra muito próximo de nós.
- Acho que você não tem muita escolha Alice. O patrão não vai gostar de saber que a deixei ser atingida por um desses.
- Droga. Esbravejei - Como eu subo nessa coisa?
Ele então pulou para cima do animal num único movimento, estendeu-me a mão e passou as instruções. Enrosquei um dos pés onde me indicou e num pulo desajeitado lá estava eu atrás dele.
- Parece que puxar as pessoas ao seu encontro é a sua marca registrada? – Provoquei.
- Puxar “uma” pessoa parece que sim. – olhou-me por trás dos ombros naquele seu sorrisinho característico.
Num comando ríspido o cavalo saiu em disparada pela estrada de terra.
A chuva aumentava, o vento gelado estava sendo impiedoso, meu corpo tremia. Uma mistura de frio, emoção e medo. Tentava me concentrar no ritmo das cavalgadas, mas o máximo que conseguia era sentir meu corpo colado ao corpo dele e no cheiro que vinha da sua jaqueta de couro, que estava mais acentuado agora molhada da chuva. Um cheiro amadeirado misturado a terra molhada.
Chegamos.
O libertei do meu abraço, para que ele descesse primeiro, eu em seguida, amparada com suas mãos na minha cintura. Conduziu o animal para dentro da cocheira, tirou a cela pendurando-a num gancho. Fiquei ali parada, acompanhando seus movimentos, um pouco trêmula por causa do frio e da experiência que acabara de ter.
- Parece estar com frio, tome vista isso. - disse-me tirando sua jaqueta.
A princípio não quis aceitar, mas quando ele baixou os olhos em direção a meus seios, dei-me conta que usava uma camisa branca. Agora transparente depois de um banho de chuva. Entrei em pânico, me amaldiçoando por não ter percebido aquela indecência. Baixei a cabeça. Envergonhada.
Marcus foi um cavalheiro diante do meu constrangimento, não ousou me olhar pela segunda vez, apenas posicionou sua jaqueta para que eu a vestisse. Conduziu-me a um banco de madeira e não tocou no assunto. Ficamos ali por mais um tempo, conversando amenidades, esperando a chuva cessar. A eletricidade era evidente entre nós, por isso procurei manter uma distância segura enquanto a conversa fluía.
- Marcus, acho que preciso ir, seu patrão deve estar preocupado comigo -  disse-lhe num tom de desânimo.
- Você não está com cara de quem quer entrar lá.
- Acho que tem razão, mas não tenho escolha.
-Venha, tenho um lugar melhor para se aquecer.
 
                                                                    



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